sexta-feira, 25 de janeiro de 2008


A VIOLÊNCIA PODE PARTIR DE QUALQUER UM...

Por Vanderlei MUNIZ

Depois dos recentes episódios de explosão violenta ocorridos entre gangues de punks e skinheads na cidade de São Paulo, a imprensa logo tratou de abordar o assunto estabelecendo co-relações musicais entre os envolvidos no assunto e suas supostas “ideologias” vigentes. É claro que deve ter muito pai arrancando os cabelos de preocupação ao descobrir que o filho escuta os mesmos Ramones e Sex Pistols que aqueles homens de cabelo moicano que mataram um sujeito porque ele não quis dar um desconto na pizza. E também sei que os menos esclarecidos podem estar de olhos esbugalhados para aquele cara com a camisa do Cólera ou do Olho Seco no metrô, enxergando nele um assassino em potencial.
Para evitar tamanhas distorções, cabe aqui uma breve explicação.
Surgido na década de 70 e inspirado no retorno aos acordes e melodias básicos dos princípios do rock n’ roll (devidamente temperado com peso e velocidade, é claro) promovido por bandas como Stooges, New York Dolls e Velvet Underground, o punk é um gênero musical cujas letras e manifestações sempre estiveram ligados a dois pilares essenciais. O primeiro deles é o chamado do-it-yourself, a filosofia de que você pode fazer, artisticamente, o que quiser como quiser e a hora que quiser, sem depender de editoras para lançar o seu fanzine ou o seu livro, sem precisar de gravadoras. Era tudo feito na raça, na base do suor e da brodagem, da camaradagem mesmo — e que, na era da internet, do MP3, dos sites pessoais e blogs, dos downloads gratuitos e do iPod, jamais esteve tão moderno e atual. Sobre isso a gente já falou por aqui e ainda deve falar muito nos próximos anos.
O segundo pilar sobre o qual sempre se sustentaram a maior parte das bandas punk é o discurso de protesto — e acredito é que neste ponto é que exista uma boa dose de confusão, especialmente por causa das frases de efeito levantadas, com punhos cerrados e caras de mau, pelos recentes agressores paulistanos. É comum ver os músicos do “movimento” punk expressando seu descontentamento contra o capitalismo selvagem contra a própria indústria musical. Às vezes, a “vítima” pode ser ainda aquela coisa indistinta e amorfa chamada “sistema”, uma massa estranha que ninguém sabe direito definir o que é, nem onde começa ou termina. Mas não quero entrar neste tipo de juízo de valor neste texto, vamos guardar este papo para depois.
O fato é que o punk NUNCA esteve conectado a qualquer incentivo da violência. Anarquia jamais foi sinônimo de bagunça – -anarquia é um conceito surgido na Grécia antiga, o “não-governo”, uma proposta de organização do povo e para o povo, sem a presença de figuras de poder ou hierarquias patriarcais. Não quero me alongar em uma espécie de aula de política ou sociologia para não resvalar para o enfadonho, mas é preciso deixar claro que anarquia nunca foi uma bandeira obrigatória para guerreiros. Cada um faz e entende a revolução do jeito que quer. O russo Mikhail Bakunin (1814-1876) acreditava na anarquia das barricadas, dos punhos e das bombas, da revolução por meio da destruição. Mas nomes como Leon Tolstoi (1828-1910) e mesmo o indiano Mahatma Gandhi (1869-1948) botavam fé na revolução individual, que acontece dentro de cada um e no dia-a-dia, na anarquia pacifista, na mudança através do amor e da educação. E aí? Quem você prefere seguir?
Dizer que estas pessoas, estes punks em batalhas campais contra os skinheads do outro lado da montanha, manifestam um comportamento violento por conta da música que ouvem é o mesmo que afirmar que o jogo de RPG forma psicopatas latentes ou games de tiro podem transformar qualquer adolescente em um homicida da noite para o dia. É muita inocência e maniqueísmo acreditar que as coisas se desdobrem sob uma ótica tão simplista e fora de contexto. Este tipo de influência depende da personalidade de cada um, de sua criação em família e no grupo de amigos, de sua forma de ver a realidade e de mais uma série de fatores que qualquer bom psicólogo pode explicar com muito mais fundamento.
Existem pagodeiros assassinos, funkeiros assassinos, jogadores de RPG assassinos, jogadores de futebol assassinos, punks assassinos, yuppies assassinos, nerds assassinos, geeks assassinos, executivos assassinos, patricinhas assassinas. Em resumo: as pessoas podem matar, independentemente do que elas ouvem, assistem, vestem ou bradam aos quatro ventos, ou mesmo dos rótulos que a sociedade insiste em colocar-lhes.
A idéia do punk (e de outros gêneros socialmente engajados, como o rap) sempre foi ajudar a abrir os olhos dos seus ouvintes para o que está acontecendo no mundo, por mais que isso tivesse que ser feito sem quaisquer papas na língua. Fazer com que as pessoas formem suas próprias opiniões, que questionem, que não aceitem simplesmente o que lhes enfiado goela abaixo. Faça a sua revolução das idéias, dos argumentos, mude a sua vida e o seu espírito. Mas, repetindo a frase anteriormente listada: cada um faz e entende a revolução do jeito que quer. Infelizmente, tem gente que não entende estas coisas muito bem. Punks ou não.

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