quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

RETROSPECTIVA - LULA, O MAIS POPULAR DE NOSSA HISTÓRIA...

Assim se fez o presidente...

Luiz Inácio da Silva, o Lula, como era chamado na época em que usava apenas um vasto bigode, falou na Prefeitura de São Bernardo do Campo como presidente do Sindicato dos Metalúrgicos local, para o qual foi eleito dois anos antes. Esta foto talvez seja o melhor registro do líder incipiente, que em 1978 desafiaria o regime militar com a primeira greve por melhores salários em 10 anos de linha dura, época em que as paralisações eram consideradas ilegais e reprimidas pela polícia. Nas 22 páginas seguintes, você acompanhará outros 11 capítulos da incrível trajetória política e pessoal de Lula. E entenderá como e por que o líder sindical, que em 1975 começou a entrar para a história do Brasil, modificou-a profundamente no domingo 27 de outubro (dia em que comemorou 57 anos) ao se tornar o primeiro operário a ser consagrado presidente da República.
Prensa Três
Lula em 1977,
então presidente
do Sindicato dos Metalúrgicos de
São Bernardo do Campo e Diadema:
 o começo de uma incrível trajetória política___________________________________________________
Nasce o líder
Reportagem de Juliana Lopes, Fábio Farah e Jonas Furtado Edição de fotos de Edu Lopes
Ed. Viggiani
Em abril de 1985 posa para foto com a “vaca brava”
durante greve dos metalúrgicos pela jornada de 40
horas semanais. A tática da “vaca brava” consistia
em empregar vários tipos de greve simultaneamente
Lula entrou na vida sindical pelas mãos do irmão mais velho, José Ferreira da Silva, conhecido como Frei Chico, quando trabalhava nas Indústrias Villares em 1966. Com 15 anos, ele começou a trabalhar como aprendiz de torneiro mecânico e aos 18 perdeu o dedo mínimo da mão esquerda, por descuido de um colega. Entre 1975 e 1978 foi eleito duas vezes presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e liderou as greves do ABC, após dez anos sem paralisações no País. O movimento iniciado em 12 de maio de 1978 se espalhou rapidamente por outras empresas. Cerca de 150 mil metalúrgicos cruzaram os braços, causando a irritação do presidente da Volkswagen na época, Wolfgang Sauer. “Era uma desordem total. Não havia base legal para fazer greve”, diz hoje o alemão naturalizado brasileiro. Desavenças passadas, atualmente, quando se encontram, os antigos rivais se abraçam. “Concordamos que aprendemos muito com tudo aquilo”, conclui o empresário. 


Reprodução
Reprodução
Registro como 1º secretário do sindicato de São Bernardo e Diadema em 1973 e
de aprendiz de torneiro mecânico, em 1960.
Com 15 anos, trabalhava das 7h às 16h.

















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À frente das greves históricas do ABC
Reportagem de Juliana Lopes, Fábio Farah e Jonas Furtado Edição de fotos de Edu Lopes
Hélio Campos Mello
No ano seguinte, Lula discursa
na porta da Volkswagen, em
São Bernardo do Campo, quando
era presidente cassado do Sindicato dos Metalúrgicos
No dia 1º de abril de 1980, Lula convocou os trabalhadores a outra paralisação. Cento e quarenta mil metalúrgicos cruzaram os braços e o ato foi considerado ilegal. O ministro do Trabalho do governo Figueiredo, Murillo Macêdo, chamou Lula em sua casa, pediu-lhe para moderar o discurso e julgou tê-lo convencido. “Dias depois, pressionado pelos companheiros, ele voltou atrás”, diz o ex-ministro. No dia 17 de abril, sob pressão militar, Murillo decretou intervenção no Sindicato. “Não queria fazer isso”, recorda-se o ex-ministro, que tem na parede de seu sítio uma foto com Lula jogando bilhar. “Disse aos militares que se Lula fosse preso tornaria-se um herói popular. Não me escutaram.” Dois dias após a intervenção, Lula foi preso com base na Lei de Segurança Nacional. Para o coronel Erasmo Dias, vereador em São Paulo e que na época da prisão trabalhava no SNI, o objetivo do governo militar era esse mesmo: tornar Lula um messias. Certos da decadência do regime, os militares, assegura Dias, conspiraram na intenção de ser fiadores da nova força política do País, para tirar algum proveito dela. “Seu nome era visto com beneplácito e o Dops acompanhou com bons olhos a fundação do PT”, garante hoje o coronel.




Fotos:Agência Estado
Fotos:Agência Estado

Após 15 dias de greve em abril de 1979, os metalúrgicos aprovam o retorno ao trabalho. Paralisação vitoriosa, Lula pôde, enfim, chorar.








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Lula começa a dar as cartas
Reportagem de Juliana Lopes, Fábio Farah e Jonas Furtado
Edição de fotos de Edu Lopes
Hélio Campos Mello
O PT foi fundado em fevereiro de 1980
com a participação de trabalhadores e
intelectuais. Fernando Henrique queria
que os petistas se juntassem ao MDB

No dia 10 de fevereiro 
de 1980 já está na 
história. Naquela data,
128 pessoas – o mínimo 
era de 101 – assinaram 
a ata da fundação do 
Partido dos Trabalhadores. 
Entre elas, ilustres 
intelectuais como Sérgio 
Buarque de Hollanda, Mario 
Pedrosa e Apolônio de 
Carvalho. A fundação 
do partido era conseqüência 
do movimento sindical 
que chacoalhou o ABC 
em 1978 e 1979 com greves 
históricas. 
Luiz Inácio da Silva começava a alçar vôos mais altos e 
aumentar sua participação política no cenário nacional. 
O escritório do advogado Luiz Carlos Greenhalgh, deputado federal 
pelo PT, foi um dos primeiros lugares onde Lula se reuniu com seus 
militantes. Greenhalgh advogava no andar de baixo de um sobrado 
no centro de São Paulo. Os encontros de cerca de 30 pessoas 
aconteciam no andar de cima. “A decisão de criar o PT foi num 
hotel em São Bernardo. Fernando Henrique estava lá e pediu para 
nos juntarmos ao MDB. Dissemos não”, conta o deputado. 
São Bernardo é o coração do PT. Laerte Demarchi, 57, dono do 
tradicional restaurante Demarchi, testemunhou o nascimento do 
partido. “Eles varavam a noite discutindo o partido e comendo 
frango à passarinho com polenta”, conta Laerte, velho amigo de Lula.
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Enfrentamento com os militares
Eduardo Simões
Lula depõe na Justiça Militar em 18 de agosto de 1980. No ano
seguinte o STM anulou a sentença de três anos e meio de prisão


Após comandar as greves históricas no ABC e ser preso por 31 dias 
com base na Lei de Segurança Nacional, Lula foi julgado pelo 
Tribunal de Justiça Militar. Um dia antes do julgamento de Lula 
e dos outros líderes sindicais, o advogado Luiz Eduardo Greenhalgh 
foi ao local buscar as credenciais, quando viu uma cena absurda.
 “Um soldado já estava datilografando a sentença antes mesmo 
de o julgamento acontecer. Então pedi que me contasse de 
quanto tempo seria a condenação de Lula”, relata. “Três anos 
e meio”, disse-lhe o soldado. Na mesma noite, na reunião da 
diretoria do sindicato, Lula, ao saber do fato, bradou: “Não 
vamos a uma farsa!”. E aproveitou para convidar todos os 
advogados e réus para um café da manhã na casa dele, às 9h, 
horário do julgamento, que foi anulado. Eles compareceram ao 
julgamento seguinte, mas a sentença ainda foi a mesma: três 
anos e meio. No dia 2 de setembro de 1981, o Superior Tribunal 
Militar anulou a sentença contra Lula e pediu novo julgamento. 
No ano seguinte, o STM julgou-se incompetente e os processos 
foram prescritos.

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31 dias na prisão
Reportagem de Juliana Lopes, Fábio Farah e Jonas Furtado Edição de fotos de Edu Lopes
Ricardo Malta/Agência F4
Abril de 1980: Marisa, mulher de Lula,
visita-o no Dops, em São Paulo, onde
ele ficou preso durante um mês, e deixa
uma sacola para o marido


Hélio Campos Mello
Ao sair da cadeia,
Lula carrega a sacola
que a mulher havia levado para ele
No dia 19 de abril de 1980, dois dias depois da intervenção no Sindicato dos Metalúrgicos, Frei Betto dormia no sofá da casa de Lula em São Bernardo. Eram 6h30 da manhã quando ouviu gritarem do portão: “Senhor Luiz Inácio da Silva!”. Era uma pessoa do Dops, órgão de repressão da ditadura. Frei Betto bateu na porta do quarto de Lula e deu a notícia. “Ele abriu os olhos, mostrou que ouviu, virou de lado e continuou dormindo”, lembra o frade dominicano. Marisa, impaciente, cutucou o marido: “Levanta, levanta!”. Lula atendeu e, antes de ir embora, virou-se para o amigo e disse: “Cuida da minha família”. O advogado Luiz Eduardo Greenhalgh deu as instruções: “Disse a Lula para ter o cuidado com o que falasse na cela, pois podia ter microfone”. A maior tristeza de Lula na ocasião foi a morte da mãe de câncer. A greve de fome era motivo de reclamação. “Arruma um jeito de acabar com essa greve de fome. Isso é coisa para estudante. O negócio aqui está ruim, e sem comer fica pior”, disse a Greenhalg. Dom Claudio Hummes, então, pediu o fim da greve. Lula e os outros sindicalistas atenderam na hora. Alguns empresários reclamaram da prisão do líder: “Dissemos ao governo: ‘É uma estupidez. Agora vamos negociar com quem?’”, relata Luís Eulálio de Bueno Vidigal Filho, presidente da Fiesp na época. Lula ficou preso por 31 dias.
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Lula com os filhos
João Bittar


Em casa, há 22 anos, com os filhos Sandro Luiz e Fábio.
Hoje, ele trocou o cigarro e o charuto pelas cigarrilhas, e dá
de presente todos os charutos que ganha



Quando está em casa, Lula se sente à vontade de bermuda e chinelo. Gosta de beber cerveja e fumar cigarrilha de vez em quando, depois que abandonou o cigarro e o charuto – dá todos que recebe de presente para o amigo Frei Betto. O presidente eleito casou-se com Marisa oito anos depois de perder a primeira esposa, a operária Maria de Lourdes,
em 1966, que morreu de parto, com o bebê. Marisa, também viúva, era mãe de Marcos Cláudio, hoje estudante de psicologia e responsável pelo material de campanha do padrasto. Juntos, o casal teve três filhos, Fábio, 26, biólogo e ator amador de teatro, Sandro, 23, nutricionista, e Luiz Cláudio, 16, que votou pela primeira vez nas eleições desse ano. Lula também é pai de Lurian, fruto do relacionamento com a enfermeira Miriam Cordeiro, e avô de três netos.
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A primeira casa em São Bernardo
Eduardo Simões/Fernando Pereira





























Em 1986, Lula, Marisa e os filhos (da esq. para a dir.) Marcos
Cláudio, Fábio Luiz, Sandro Luiz e Luiz Cláudio em frente à
casa onde moravam em São Bernardo do Campo.
Abaixo, os filhos brincando no Fiat 147 da família



Na primeira casa em que Lula e Marisa moraram em São Bernardo 
do Campo – cujo segundo andar foi construído mais tarde –, 
o ex-líder sindical descobriu o prazer de cozinhar. Hoje diverte-se 
ao preparar coelho e massa com molho à carbonara para os amigos. 
Se é Marisa quem está no fogão, ele e os filhos cuidam da louça. 
A família de Lula, que hoje mora numa cobertura na cidade, nunca 
teve empregada doméstica por exigência dela. Os homens da casa 
lavam as próprias cuecas e meias. Filha de hortelão, Marisa herdou 
um sítio em São Bernardo, batizado de Los Fubangos, no qual Lula 
costuma passar os fins de semana jogando bola com os filhos e 
netos e fazendo churrasco. Era lá o refúgio dos domingos entre 
o 1º e o 2º turnos.
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A primeira eleição
Reportagem de Juliana Lopes, Fábio Farah e Jonas Furtado
Edição de fotos de Edu Lopes








Claudio Versiani

Em sua primeira disputa eleitoral, pouco mais de dois anos após a 

fundação do PT, Luiz Inácio incorporou o apelido Lula à certidão de 
nascimento. Ele saiu candidato a governador e ficou em quarto lugar, 
com 1,1 milhão de votos

Em 1982, Lula tinha um objetivo: mostrar o PT à sociedade 
brasileira. O partido precisava aparecer, pouco mais de dois 
anos depois de sua fundação. Como o Estado de São Paulo 
tinha uma grande importância nacional, o diretório do PT 
decidiu lançar o presidente do partido para concorrer ao 
cargo de governador. “Em vários comícios ele dizia que, se 
alguma pessoa era de um determinado jeito, diferente do que 
ele achava certo, não precisava votar nele”, conta Vincentinho, 
Vicente Paulo da Silva, ex-presidente do Sindicato dos 
Metalúrgicos. Nessa ocasião, Luiz Inácio incorporou o apelido 
Lula à certidão de nascimento. Ele ficou em quarto lugar com 
1,1 milhão de votos. André Franco Montoro, do PMDB, ganhou 
a eleição. Pouco conhecido, Lula passou por momentos cômicos 
durante a campanha. A mais insólita foi uma confusão. 
O dono de um bar em São Paulo perguntou a um senhor se 
sabia quem era o barbudo ali sentado. Lula tomava café depois 
de um comício. O homem disse que não. O dono do bar, indignado, 
insistiu: “Mas como você não conhece? Lembra... da televisão!”. 
Cansado de tanta insistência,o senhor respondeu: “Já sei quem 
ele é... É o Zé do Caixão!”. Lula ficou constrangido, mas não 
perdeu o bom humor.
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Nas Diretas e no Congresso
Reportagem de Juliana Lopes, Fábio Farah e Jonas Furtado Edição de fotos de Edu Lopes
Alex Soletto
Claudio Versiani
Na campanha das Diretas Já com Fernando Henrique Cardoso (à esq. no alto), entre Tancredo Neves e Ulysses Guimarães
(abaixo) e discursando durante a Assembléia Nacional Constituinte em 1989


Prensa Três
Na campanha das Diretas Já com Fernando Henrique Cardoso (à esq. no alto), entre Tancredo Neves e Ulysses Guimarães (abaixo) e discursando durante a Assembléia Nacional Constituinte em 1989
Aprimeira nota que Lula recebeu na política foi 10. A avaliação foi do Diap – Departamento Intersindical de Atividade Parlamentar. Eleito o deputado federal mais votado no Brasil, 650 mil votos, em 1986, Lula participou da Assembléia Nacional Constituinte e levou para a bancada do partido discussões sobre os direitos sociais dos trabalhadores. “Se não tem trabalhador no Congresso, como é que os trabalhadores querem defender seus direitos?”, comentava na época. Foi a única função pública que ocupou antes de chegar à Presidência do País. Dois anos antes, em 1984, Lula foi um dos expoentes da campanha das Diretas Já, que varreu o Brasil exigindo eleições democráticas para presidente da República. Representando o PT – era o presidente do partido –, esteve nos comícios ao lado do senador Fernando Henrique Cardoso, do governador de São Paulo Franco Montoro, do prefeito de São Paulo Mário Covas e de Roberto Freire, então deputado pelo PMDB. “Era um Lula atuante, vibrante. Ele já era uma liderança importante, presidia o PT, que era um partido emergente, e nos ajudou a mobilizar a população”, lembra Freire, hoje do PPS.
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Nos rincões do Brasil 


Xando Pereira

Lula desembarcando em Morradá, na Bahia, em julho de 1994



Nas viagens com as Caravanas da Cidadania, Lula colecionou 
histórias. Frei Betto, um dos companheiros de Lula na aventura 
pelo Brasil, lembra de alguns momentos que ficaram guardados 
na memória. Certa vez, no Rio Grande do Norte, a trupe parou 
em uma pequena cidade chamada Pendência. Alguém na viagem 
fez um trocadilho com o nome da cidade dizendo que ela tinha 
“Tendência” petista. Lula virou-se para Frei Betto dentro de 
um ônibus de excursão e disse: “Vai lá ver se tem algo para 
comer”. No único bar da cidade uma mulher idosa dividia o 
espaço com dezenas de garrafas velhas de bebida, 
empoeiradas e cheias de teia de aranha. “Tem pão?”, 
perguntou Frei Betto. “Não tem nem água, quanto mais pão”, 
respondeu a mulher. “Ficamos chocados com a situação daquela 
mulher”, lembra-se o religioso.
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Caravana pelo País após derrota para Collor

Luludi/ AE
Numa das caravanas, em Madalena (CE), com agricultores em março de 1994

Derrotado por Fernando Collor de Mello nas eleições de 1989, 
Lula decide percorrer o Brasil. Foram mais de 40 mil quilômetros 
pelo País, entre 1993 e 1996, em uma série de viagens 
conhecidas como Caravanas da Cidadania. A primeira viagem durou 
24 dias e foi da cidade onde ele nasceu, Garanhuns, no interior de 
Pernambuco, até Vicente de Carvalho (SP), o mesmo trajeto que 
Lula fez com a mãe e os irmãos em um caminhão de pau-de-arara 
quando era criança. Ao todo foram seis caravanas que percorreram 
360 cidades em 26 Estados brasileiros. “O objetivo destas viagens 
era o Lula obter uma radiografia do País”, diz José Carlos Espinosa, 
companheiro de Lula em algumas caravanas e seu atual coordenador 
de agenda. “Conhecer cada centímetro do Brasil foi a grande 
faculdade do Lula. Ele se formou na escola da vida.”
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O presidente Lula da Silva


Com quase 62% dos votos válidos, Lula
alcança a meta perseguida há 13 anos, é o primeiro operário a chegar à Presidência do
Brasil e encara agora o desafio de promover desenvolvimento com justiça social

Juliana Lopes
Fotos: José Luis da Conceição/AE
Domingo 27, Lula apagou 57 velinhas com 60 crianças no salão de festas de seu prédio
Dois dias antes da eleição que o consagrou como o político mais votado da história do Brasil, com mais de 50 milhões de votos, Luiz Inácio Lula da Silva relutava em acreditar que alcançaria, enfim, a meta perseguida nos últimos 13 anos. “Como não vai querer festa, Lula?”, indagava-lhe o presidente do PT, José Dirceu, no comitê de campanha. Após três derrotas consecutivas em disputas presidenciais, Lula negligenciava as pesquisas e continuava a contar eleitores. Na véspera do pleito, rearranjou a agenda da equipe de filmagem do cineasta João Moreira Salles, que prepara um documentário sobre a campanha vitoriosa, para não perder os votos dos integrantes que moram no Rio de Janeiro. “Vocês votam cedo e vêm para cá”, insistiu Lula, refazendo a idéia deles de justificar o voto para poder acompanhá-lo no dia decisivo. “Prometo que só saio de casa quando vocês chegarem”, encerrou o assunto. Ganhou aí mais cinco votos que não teve no primeiro turno porque os eleitores ficaram em São Paulo, acompanhando o candidato.
Ao contrário da sua primeira campanha presidencial, em 1989, quando recusou o apoio do deputado Ulysses Guimarães, e perdeu a corrida para Fernando Collor justamente pela diferença de votos que Ulysses poderia aportar ao PT, Lula ganhou a eleição de 2002 aceitando todos os apoios, procurando o máximo de eleitores,
contando cada voto. E a festa da vitória, que tomou as
ruas de várias cidades do Brasil na noite do domingo 27 de outubro, começou tímida, disfarçada de presente de 57º aniversário, tão logo foi encerrado o último ato oficial da incrível campanha presidencial de 2002: o confronto
contra José Serra, no debate promovido pela Rede Globo,
na sexta-feira 25 de outubro.

Após deixar os estúdios da Globo, Lula partiu para a casa de show Garden Hall, na Barra da Tijuca, onde um bolo de aniversário foi oferecido pela governadora Benedita da Silva. Junto com a prefeita Marta Suplicy e o ex-governador Leonel Brizola, Lula ouviu “parabéns pra você” de 300 convidados. No sábado 26, em São Paulo, outro bolo. Este, decorado com a sua imagem carregando uma ferramenta de metalúrgico, foi levado a seu prédio por sindicalistas de São Bernardo do Campo. E para sacramentar o dia da vitória, o síndico do prédio onde os Silva residem abriu o salão de festas pouco antes das 10 horas para 60 crianças cantarem parabéns para o petista, antes de ele sair para votar.
Numa prova simbólica de que muita coisa já mudou, Lula
e o PT se prepararam para acompanhar a apuração num
hotel cinco estrelas de São Paulo (e não no comitê de campanha ou na sede do partido, como em outras ocasiões). Ao candidato, seria reservada a suíte presidencial. Como ela foi ocupada por um príncipe árabe, Lula ficou um andar abaixo, na suíte executiva do hotel Meliá. Desceu para o almoço no restaurante do hotel e comeu camarões com penne. Às 22 horas, saiu rumo ao hotel Intercontinental, onde deu sua primeira entrevista.






Edu LopesFotos: José Luis da Conceição/AEDois dias antes da eleição, 
Lula se recusava a comemorar
a vitória. Agora, é o recordista 
de votos da história do Brasil









Antes do resultado, a vitória de Lula foi saudada disfarçadamente. Três bolos para saudar seu 57º aniversário foram oferecidos por amigos: primeiro no Rio, sexta-feira 25, após o debate, e o segundo em São Bernardo, no sábado 26





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O presidente Lula da Silva

continuação

Tanta euforia é amparada pelos números. Com quase 62% dos votos válidos, Lula teve, no segundo turno de 2002,
mais votos que Fernando Henrique Cardoso no auge da popularidade do Plano Real. Em 1994, FHC venceu no primeiro turno com 54,27% dos votos válidos e, quatro anos depois, se reelegeu com 53,06%. O sucesso nas urnas deve-se, em grande parte, às mudanças que o PT sofreu nos últimos três anos. O partido passou a ser chamado de PT Light. E Lula, o metalúrgico de cara amarrada que causava arrepios na elite, virou o “Lulinha paz e amor”, sedutor de empresários, a ponto de instalar um deles, o senador José Alencar, do PL, como seu companheiro de chapa.
“O país mudou e o Lula mudou em muitos aspectos”, diz o coordenador da campanha, Luiz Dulci. Lula mudou o PT. Com José Dirceu, conseguiu que fosse integrado à campanha o publicitário Duda Mendonça, ex-marqueteiro de Paulo Maluf. Desde 1994, Lula queria tê-lo na campanha. Achava que
para vencer precisava de alguém com olhar de fora. Duda investiu na emoção. Imagens coloridas, suaves, lúdicas. Atenuou a feição carrancuda do PT com cenas de crianças abraçando uma estrela vermelha, colocou mulheres grávidas caminhando no campo. A popularidade de Lula e do
PT subiram à medida que caíam os índices de rejeição de ambos. “Duda é o melhor publicitário do Brasil”, diz Guido Mantega, assessor econômico do PT.
Após se encontrar com o presidente Fernando Henrique Cardoso, na primeira missão oficial como presidente eleito, Lula descansa por uma semana antes de assumir o comando da equipe de transição. “Ele tem uma adrenalina incrível, mas aprendeu que é importante descansar”, diz Mantega, relembrando que um dia antes do debate final contra
Serra a obrigação de Lula foi descansar e receber massagens. O governo FHC só findará, efetivamente,
em 31 de dezembro. Mas, até lá, decisões que serão tomadas sob esse mandato terão conseqüências no ano
de 2003, o primeiro de Lula. Daí a importância da transição. “Em algumas reuniões, principalmente as de ordem econômica, pediremos para participar como ouvintes”, diz Mantega, salientando acordos com o FMI.
O orçamento que vai vigorar no ano que vem é uma das questões que vão merecer doses de concentração pelo PT em 2002. Como os gastos serão votados neste ano, parlamentares petistas têm a missão de intervir o
quanto puderem em questões como as sociais. Diante da expectativa de mudanças embutida na votação de domingo, as lideranças petistas adiantam que é pequena a margem de manobra no primeiro ano de governo. O País será entregue com um caixa apertado e muitas demandas.
O objetivo do PT – promover desenvolvimento com justiça social – terá de ser alcançado gradualmente. O projeto Fome Zero, que pretende atender a 40 milhões de pessoas a um custo de R$ 20 bilhões por ano, deve atingir 20% do prometido, no primeiro ano. É nesta margem entre o desejo de mudanças e a possibilidade de realizá-las no menor prazo possível que governará o presidente Lula da Silva.



Reuters









Lula e Serra no debate da Globo

 

Edu Lopes
Um dia antes, o publicitário Duda Mendonça encerrava
com gosto de vitória
as gravações do
último programa do horário eleitoral

AP
No domingo 27, em São Bernardo, Lula foi
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A companheira MarisaDiscreta, a nova primeira-dama esteve ao
lado de Lula nos momentos difíceis e pela primeira vez participou de uma campanha

Marina Monzilllo


Edu Lopes

“Quando Lula foi para a prisão, em 1980, ela puxou uma passeata de mulheres em São Bernardo”,
Quando se fala da nova primeira-dama, Marisa Letícia Lula da Silva, os adjetivos sempre remetem a uma mulher forte: guerreira, batalhadora, uma pessoa de fibra. Casada há 28 anos com o presidente eleito, a dona-de-casa de 52 anos ficou viúva em 1970, quando estava grávida e seu primeiro marido, Marcos Cláudio da Silva, foi assassinado. Depois dessa tragédia, reconstruiu a vida, mas continuou a segurar barras difíceis com Lula, que conheceu no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, em 1973.
“Quando ele foi para a prisão, em 1980, ela puxou uma passeata de mulheres em São Bernardo, com as esposas de todos os presos”, lembra Luiz Eduardo Greenhalgh, deputado federal pelo PT e advogado do ex-metalúrgico na ocasião. Na época, ela fez também um curso de introdução à política brasileira com Frei Betto, depois montou um grupo de estudos políticos em casa e filiou-se ao PT.

Quem acompanhou a campanha do PT este ano não duvida do envolvimento da primeira-dama em atividades do governo nos próximos quatro anos. Durante os últimos meses, Lula sempre apareceu na tevê ou nas fotos de jornal escoltado pela discreta esposa. “Ela teve uma evolução política impressionante”, diz Greenhalgh. Nem sempre foi assim. Marisa nunca tomou parte da maratona em eleições passadas. “Ela não gosta de aparecer, não é da índole dela. Seu negócio sempre foi cuidar dos filhos e de suas plantas”, conta Frei Betto, amigo de Lula há 22 anos. Mas, este ano, com os quatro filhos crescidos – apenas Fábio, 26 anos, biólogo e ator amador, e Luiz Cláudio, 16, o caçula,
moram com o casal na cobertura em São Bernardo –, Marisa se preparou. Repaginou o visual com uma plástica no rosto
e um novo corte de cabelo, cedeu aos apelos dos assessores de Lula, subiu nos palanques e entrou para valer na
disputa eleitoral. Missão cumprida, Marisa prepara-se
agora para se instalar no Palácio do Alvorada, às margens
do Lago Paranoá, em Brasília.



f i m 




Agora o resto...há, o resto vocês já sabem...


Valeu LULA


FONTE DA REPORTAGEM - REVISTA ISTO É Gente.